Empregador pode ser responsabilizado por acidente de táxi que vitimou empregada?
09/03/2021
Trabalhista
O TST divulgou acórdão por meio do qual uma multinacional do setor de cosméticos foi considerada responsável por acidente que vitimou sua empregada, quando o táxi que a transportava após sair de uma audiência judicial colidiu com um caminhão. Autos TST-RR-11391-83.2013.5.01.0020 – 6ª Turma.
Em síntese, se entendeu que ao contratar o serviço de transporte, uma vez que o táxi foi “custeado pela ré”, o empregador “equipara-se ao transportador” e este, por sua vez, possui responsabilidade objetiva (que independe de culpa) por força dos artigos 734 a 736 do Código Civil.
O fundamento para o reconhecimento da responsabilidade da empregadora foi a suposta violação ao artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece a responsabilidade objetiva para atividades de risco, que seria aplicável em razão da indigitada “equiparação” a transportador.
Não sendo o comércio de cosméticos ou a atuação como preposta uma atividade de risco == conforme enquadramento fático dado ao caso concreto ==, tem-se, com a devida vênia, um elastecimento indevido do conceito de transportador, o que acabou por gerar uma condenação que afronta as normas vigentes, notadamente o princípio da legalidade (CF, art. 5, II), o artigo 7, XXVIII, da Constituição (que trata da responsabilidade subjetiva do empregador como ‘regra’), o artigo 927 do Código Civil (responsabilidade civil por ato ilícito) e o tema de Repercussão Geral 932 do STF, portanto, de observância obrigatória, o qual foi citado no acórdão e, ainda assim, em nosso entendimento, aplicado de forma indevida.
TEMA 932. Tese de repercussão geral: “O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade”.
Como se vê, o verbete do STF traz como requisitos para responsabilização objetiva: (i) casos especificados em lei; ou (ii) atividade habitual que gere exposição a risco especial. No caso em tela, não há nem uma coisa, nem outra, conforme se verifica da integralidade dos fundamentos apresentados no acórdão.
Sobre o tratamento dado ao empregador como “transportador”, com indicação de supostos precedentes do TST no mesmo sentido, compreendemos que há novo equívoco, uma vez que isto seria cabível quando a empregadora organiza, fornece e assume a responsabilidade pela prestação de serviços de transporte, como ocorre, por exemplo, quando há um ônibus próprio que leva os trabalhadores para determinado local, usualmente como parte da dinâmica produtiva.
A situação que ensejaria responsabilidade se diferencia do mero pagamento do táxi, pois a empresa não tem qualquer ingerência na forma da prestação de serviços, que é regulada pelo poder público (que concede autorização para exercício por particulares), o qual define preço, características dos veículos, faz vistorias de segurança, concede as licenças necessárias, etc.
Aliás, a par de divergências existentes, a Lei 12.587/2012, artigo 4, VIII, estabelece que o táxi é um meio de transporte público individual, havendo diversos decretos municipais que regulamentam a atividade.
Em se tratando de acidente em transporte público, há precedente do próprio TST que afasta a responsabilidade do empregador, mesmo que este pague as despesas com deslocamento (como no caso do valor do vale transporte, lei 7418/85), afinal, não se imagina que por “custear” o direito seja considerado “transportador”:
“ACIDENTE DE TRABALHO NA MODALIDADE ACIDENTE DE TRAJETO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA DO EMPREGADOR E O ACIDENTE DE PERCURSO OCORRIDO… Na hipótese …o empregado da Reclamada faleceu dentro do transporte coletivo, no trajeto entre residência e o trabalho… O TRT destacou que a reclamada não teve nenhum envolvimento no infortúnio que ceifou a vida do empregado. Diante desses dados fáticos, não se vislumbra a alegada relação de causalidade entre o acidente que vitimou o de cujus e qualquer conduta patronal. Logo, não há que se falar em responsabilidade civil da Reclamada(..)” (TST; AIRR 0000905-49.2015.5.10.0010; Terceira Turma; Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado; DEJT 20/10/2017; Pág. 1490 – g.n.)
A violação ao artigo 5º, II, da Constituição ocorreu porque nenhuma lei equipara empregador a transportador por pagar ou reembolsar a despesa com transporte, tratando-se de um avanço da 6ª Turma do TST sobre as normas postas, notadamente aspectos em que o legislador já definiu os limites de responsabilização.
A violação ao artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal e ao 927 do Código Civil se deu porque não houve ato ilícito da empregadora, nada indicando que tenha agido com imperícia, imprudência ou negligência e, ainda assim, se viu responsabilizada pelo infortúnio.
Em outro julgado recente sobre a matéria, a 7ª Turma do TST expôs com exatidão qual é responsabilidade do empregador e afastou condenação em acidente de trajeto que ocorreu sem participação da empresa:
“Ainda que o empregador seja responsável por garantir a segurança e a integridade dos seus empregados – e ele é, não se discute isso –, também é certo que tal exigência deve se restringir aos limites daquilo que está ao seu alcance, como providências relacionadas ao local de trabalho, equipamentos, normas de repouso e meio ambiente saudável e seguro, de uma forma geral, ainda que este possua conceito dinâmico – e não se circunscreva ao local de trabalho propriamente dito. No aspecto do transporte, significa não impor deslocamentos inseguros, a partir do juízo mediano de aferição. Não é possível afirmar que a ocorrência de uma fatalidade, como a relatada nos autos, seja suficiente para se concluir que o empregador falhou no seu dever, sob pena de se lhe atribuir a obrigação de garantir a incolumidade como resultado final, e não como parâmetro orientador de sua conduta.” ( TST-RR-521-38.2013.5.03.0047 – DEJT: 18.11.2019, Relator: Cláudio Brandão)
Apesar da consternação causada por fatalidades e do entendimento do TST no acórdão em debate, o empregador não deve ser condenado apenas por ostentar esta condição. Caberia, sim, a responsabilização do transportador e, eventualmente, do terceiro causador do acidente pelos meios próprios, sob pena de se criar insegurança jurídica.
Por fim, se para uma multinacional a condenação ao pagamento de danos morais e materiais pode ser suportada, ainda que se repute indevida, o mesmo pode não ocorrer com uma pequena empresa, um MEI ou um empregador doméstico, onde isto pode significar a destruição financeira de quem realizou a contratação, sendo esta mais uma razão pela qual é indesejável que a sociedade fique à mercê de interpretações que criem um risco desmedido aos empregadores, totalmente alheio a sua órbita de responsabilidade ou influência, à razoabilidade e às leis vigentes.
Rodrigo de Oliveira Piva
Advogado especializado em Direito e Processo do Trabalho
Sócio de Camargo Bento Advogados.